Produtos locais & Gastronomia

História e Gastronomia Local
Na extensão do panorama ribatejano, conseguimos abraçar três paisagens distintas: a Lezíria, a Charneca e o Bairro. A Lezíria é a planície que o Tejo rasga, lisa, verde, à espera que o rio alastre para que tudo se torne água, nateiro, vida. A Charneca estende-se do Tejo até ao Alentejo, e esse espraiar faz-se de solos arenosos onde lançam raízes os sobreiros que em tanto enriquecem a região. Por último, o Bairro, a margem direita do rio que se impõe, chão de oliveiras, de figueiras, de vinha, numa vista que abarca serras rochosas e vales frondosos rasgados pelo Tejo e pelos seus afluentes, Zêzere, Nabão, Almonda e Ocreza. Estamos no Ribatejo Norte, território dos Cavaleiros do Templo, devotos, em armas, a Cristo, e dos peregrinos de Nossa Senhora de Fátima. Terra de contrastes, abençoada por solos generosos, por água em fartura, mas também por rudeza e austeridade, com um património religioso, arquitectónico e artístico de valor incalculável.

Alcanena
Desconfia-se que se deve aos mouros os primeiros indícios de trabalhos de
curtimentos de pele nesta zona; certo é que, nos finais do século XVIII, este já era um ofício relevante numa comunidade economicamente viva. Data de 1792 o alvará de D. Maria I a Manuel Francisco Galveias para o assentamento da Fábrica de Sola, Atanados e Bezerros – a segunda instalação industrial do género no país – em Alcanena. O brasão real que assinala a licença régia resistiu ao tempo, e é hoje uma testemunha em pedra do valor que esta actividade já detinha nessa época. Sabe-se que a indústria de curtumes foi prosperando ao longo de oitocentos. Em 1867, contavam-se na freguesia 472 fogos, o dobro do número existente cem anos antes. A afluência e a fixação de operários foi crescendo à medida que o investimento em unidades fabris ia aumentando e essa cada vez maior afluência de trabalhadores foi deixando marcas nos usos e nos costumes regionais. A gastronomia também foi influenciada por estes homens que, por serem de uma classe mais remediada, sempre souberam tirar o melhor partido dos recursos que tinham à mão. Morcela de arroz grelhada, farinheira, sopas de feijão com couves e de nabos com feijão, massa de bacalhau, migas de bacalhau, cachola, cabrito guisado, favas guisadas com carne de porco e iscas de porco à Ti Violeta. Nos doces, destacam-se as rocas, as broinhas de Alcanena, as rabichas e as broas de mel. O vinho, os vinagres e os licores da serra de Santo António fazem igualmente parte da oferta de sabores deste concelho.

Ferreira do Zêzere
Foi em 1159 que D. Afonso Henriques doou aos Templários o termo de Cêras, território que hoje inclui cerca de metade da área do concelho. Anos mais tarde, em 1190, já no reinado de D. Sancho I, o monarca legou a Pedro Ferreiro várias herdades na região, como recompensa dos serviços prestados na luta contra as hordas sarracenas. Senhor de vastas propriedades, o besteiro do rei, Pedro Ferreiro, atribuiu foral a Vila Ferreira, futura Ferreira do Zêzere. Em 1319, estas terras já se encontravam nas mãos dos cavaleiros do Templo. Toda esta região é ilustrada por uma paisagem admirável que desde há muito impressionou artistas e viajantes. A célebre Estalagem dos Vales, hoje desaparecida, foi tecto de ilustres figuras das artes como, o pintor José Malhoa e o actor Taborda. D. Carlos I chegou a pernoitar no modesto albergue e foi lá que Alfredo Keil escreveu “A Portuguesa”, adoptada como hino nacional em 1911. Com o Zêzere a serpentear pelos vales, o rio tomou lugar nas mesas da zona. Os lagostins, antes uma praga, hoje são um interessante contributo para a gastronomia local. Queijo das areias, omelete de lagostim, lagostim de capote, peixinhos da horta, sopas de lagostim, de fava ou de abóbora, achigã frito com arroz de tomate e migas, risoto de lagostim, coelho na abóbora, leitão à ferreirense ou cabrito assado com grelos. Nos doces é difícil resistir às tijeladas, aos bons maridos e boas esposas, às estrelinhas do Zêzere, às queijadas de queijo, aos bolinhos dos santos, às migas doces ou à mousse de fava.

Ourém
Terra de velhos pergaminhos, Ourém já era citado no século XII, quando ainda era conhecido por Abdegas. Com a expulsão dos árabes do território pelas forças de D. Afonso Henriques, o topónimo foi alterado para Aurem, que viria a dar em Ourém. Frei Bernardo de Brito, na “Crónica da Ordem de Cister”, tem uma versão bem mais poética acerca do nome do concelho. Conta que, no distante dia de São João de 1158, João Henriques, um cristão que participou na tomada do castelo de Alcácer do Sal, raptou uma princesa árabe e escondeu-a num recanto da Serra de Aire. Fátima, uma moura de coração doce, apaixonou-se pelo seu sequestrador e converteu-se ao cristianismo, mudando o nome para Oureana. O lugar onde o casal se refugiou na serra viria, segundo Frei Bernardo de Brito, a adoptar o nome cristão da princesa, dando origem a Ourém, a vila de Oureana. Com a erradicação dos sarracenos desta região, D. Afonso Henriques entregou à Ordem de Císter uma boa parcela de terras. Os monges instalados no Mosteiro de Tomareis amanhavam os solos e tornaram- se um motor impulsionador da economia da zona. O vinho, elemento tão simbólico na Eucaristia, foi um dos produtos a que a Ordem se dedicou com cuidado. Apreciado por toda a região, os monges transmitiram aos habitantes da zona o seu método de produção de vinho. Actualmente, este vinho palhete, cujo método de vinificação conta com oitocentos anos de história, constitui uma das muitas ofertas genuínas e de qualidade disponíveis na «Ucharia do Conde», um espaço de promoção dos produtos locais situada no edifício da antiga prisão, no bonito Centro Histórico de Ourém. Farinheira branca, broa da Freixianda, merendeiras salgadas, morcela de arroz, papas de milho com abóbora, sopas de verde, sopa de bacalhau, sopas de feijão ou de azeite. Mexudas ou esparregado, chícharos com bacalhau assado, friginada ou tachada, carneiro à Vale Travesso e coelho à bruxa. Nos doces, destacam-se as merendeiras doces, o bolo de arco, de cabeça ou de festas e os bolinhos dos santos.

Tomar
Gualdim Pais, figura de referência para os nabantinos, era Mestre da Ordem dos Templários quando estes monges guerreiros ajudaram D. Afonso Henriques a tomar Santarém. O monarca, agradecido, doou aos cavaleiros do Templo o castelo e as terras de Ceras, a que mais tarde se juntou o de Almorol e o de Pombal. Esta era, na altura, uma zona devastada pela guerra, quase deserta pelas desafortunadas consequências das lutas com os sarracenos, um território pronto a ser apaziguado e desenvolvido por estes guerreiros que levavam a cruz de Cristo ao peito. Como o castelo de Ceras era uma ruína desolada, o Mestre Gualdim Pais constrói num morro das margens do Nabão o castelo que havia de ser cabeça da melícia. A fortaleza tomou o nome de Tomar, assim como a vila que ia crescendo aos seus pés. Hoje, quase todo o grande acervo patrimonial do concelho está relacionado com a Ordem do Templo e com a sua sucessora Ordem de Cristo. Das muitas edificações, há uma que se destaca, o Convento de Cristo, incontornável e de visita obrigatória. Raul Proença escreveu: Se Guimarães foi o berço dinástico de Portugal, o símbolo da reconquista nacional (…) está em Tomar, no monumento que transplantou para uma das fronteiras de Portugal do século XII uma evocação do Templo da Cidade Santa, enriquecido de policromias e oiros ardentes. A herança da Ordem ainda hoje persiste e vai muito além da pedra e da arte. A gastronomia também a lembra com as famosas fatias de Tomar, um doce conventual que, segundo a lenda, era a preferida dos monges. Tal como manda a tradição, exorbita na quantidade de ovos e açúcar, verdadeiros potenciadores do pecado da Gula.
Bolas de carne ou enchidos, bacalhau à Nabão, lampreia com molho de sangue, almôndegas de lebre à D. Henriqueta, couves à D. Prior, cabrito à Templários, frango na púcara à Templários, frango à freire de Cristo, vaca de molho de bruxa e feijoada de caracóis. Nos doces, os bolos de cama ou, sugestivamente, os beija-me depressa, e também os caladinhos, estrelas de Tomar, queijadas de gila, pudim da sogra, rosas de Tomar, pastelinhos de Santa Marta, broinhas do convento e as cornucópias.

Torres Novas
O concelho de Torres Novas desenha-se com a ajuda da Serra d’Aire, a Norte, da Serra dos Candeeiros, a Oeste e das terras do Paúl, a Sul. A cidade propriamente dita assenta nas margens do rio Almonda e firma-se nas colinas que o dominam. O castelo, orgulhosamente altaneiro, sobressai do casario que se multiplicou à sua sombra e é uma prova inequívoco da antiguidade desta terra. No fio da História, foram- se cruzando por aqui vários povos e credos, dos gregos aos cartagineses, dos romanos que conquistaram a Lusitânia, aos godos, suevos e alanos que expulsaram de novos os latinos, até que chegaram os árabes escorraçados daqui por D. Afonso Henriques nos alvores da nacionalidade. De lá até hoje, o concelho foi-se desenvolvendo. No século XVI era uma das vilas mais povoadas do reino e, após os infortúnios das invasões francesas e das lutas liberais, a região ganhou fôlego abraçando a revolução industrial que agitava a Europa. Tornou-se um importante centro fabril com a criação de várias fábricas de fundição, de fiação, de serralharia, unidades que empregavam muita gente. A primeira fábrica de papel da Renova foi aqui inaugurada em 1818. A agricultura, tão importante para a subsistência das gentes, sofreu uma alteração no início do século XX, com a plantação massiva de figueirais em Torres Novas, como alternativa à vinha. Augusto Durão Alves, na monografia “Torres Novas Ontem e Hoje”, em 1942, já referia várias especialidades à base de figo, sublinhando que o mais característico e regional é o Doce de Figo, rústico, apetitoso e apresentado em cestinhas de verga. Este fruto também originou uma aguardente muito apreciada na região.
Ovos cá do sítio, petingas no forno, morcela de arroz, sopa de couve com feijão à moda de Riachos, sopa de fressura à moda de Riachos, crescidos das couves com feijão, migas à Manuel Pescador com enguias no espeto, enguias do Boquilobo, cabrito assado com batatas e grelos, migas de bacalhau, requentado com bacalhau assado ou petingas fritas. Nos doces, figuinhos de Torres Novas, figos de capa rota, doce de amêndoa, bolinhos de farinha de milho, bolos de cabeça ou bolos de noivos, palitos de Sabóia e sopapos.

Vila Nova da Barquinha
Campos bem cultivados na terra fértil da lezíria, olivais que se sucedem, as águas do Tejo a recortarem as fundações do castelo de Almourol e a correrem sem tréguas, assim é a paisagem de Vila Nova da Barquinha. Erguido num afloramento granítico, num rochedo de cerca de 18 metros acima da linha de água, Almourol é uma fortaleza única cuja história remonta à ocupação sarracena da Península. Hoje é um monumento único no panorama nacional e um verdadeiro ex-libris do concelho.
William Grant, viajante irlandês que se aventurou por terras lusas em plenas guerras napoleónicas, descreve assim a sua passagem pela região: Por todos os lados aparecia uma diversidade de bosques (…) e, para fechar e dar vida à cena, surgia na parte detrás uma linda aldeia onde quase todos eram pescadores. Isto oferecia a vista mais formosa que tínhamos visto desde que tínhamos deixado Lisboa. Esta imagem pitoresca destaca a importância da pesca nesta região, ocupação ancestral das gentes da terra, habituadas à presença líquida do curso do rio. No século XIX, as dificuldades em tirar do oceano sustento obrigaram muitos pescadores do litoral a tentarem a sorte no Tejo. Alguns instalaram-se no concelho, construindo aldeias piscatórias e aproveitando em muito a abundância dos recursos naturais fornecidos pelos três rios que banham a região: o já referido Tejo e os seus afluentes Zêzere e Nabão.
Se o peixe de rio sempre fez parte da mesa dos habitantes da região, o azeite, desde o século passado, tornou-se um produto vital para a economia local multiplicando-se lagareiros e lagares por todo o concelho.
Molhata de enguias, peixinhos do rio de escabeche, sopa de peixes do rio, sopa de peixe à Sol Tejo, caldeirada de peixe do rio, barbos de molhata, fataça na telha, açorda e sopa de sável, arroz de lampreia e cabrito frito da Praia do Ribatejo. Nos doces, o destaque vai para o pirilau do Padre Ambrósio, mas é difícil resistir também ao bolo de noz, ao bolo de Natal, às velhozes e ao doce de pão.

“OS SABORES DA NOSSA TERRA”
Uma viagem ao património gastronómico do Oeste, do Ribatejo, do Ribatejo Norte, da Charneca Ribatejana e da Península de Setúbal
Publicação – GAL’s do Ribatejo e Oeste